ANA PAULA APRATO/JC
Segundo dados da Coordenadoria-Geral de Vigilância em Saúde de Porto Alegre, no ano passado foram notificados 1.108 casos de violência contra a mulher na Capital. Em quase 36% das ocorrências, a violência foi de natureza sexual. Ainda existem dificuldades no tratamento da questão, principalmente quando o abuso resulta em gravidez.
A série de consequências que resultam dos abusos e os modos como atender às mulheres que são vítimas da violência são tema do Encontro Municipal sobre Violência Sexual e Gestação: Atenção às Vítimas, que ocorreu ontem e prossegue hoje no Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas. Para os especialistas que participaram das discussões, o medo e os preconceitos precisam ser superados para que se dê a atenção e os cuidados necessários para as vítimas.
As maiores preocupações estão com a vida da mulher após ser vítima da violência sexual. "O quadro mais comum e mais sério após situações de estupro é o de estresse pós-traumático. No caso do estupro, a pessoa teve um medo muito grande de morrer e, a partir disso, desencadeou uma série de reações. Ela não consegue esquecer. Essas mulheres sentem a necessidade de estar o tempo todo atentas, têm dificuldades para dormir", diz a psicóloga que atua nos ambulatórios de DST/Aids e de Atenção à Violência do Hospital Presidente Vargas, Ângela Ruschel.
Segundo ela, a situação se agrava muito quando a mulher fica grávida após ter sido estuprada. "A maioria não vai à delegacia e só nos procura quando descobre que está grávida. Se ela procurar ajuda com rapidez, é possível interromper essa gestação sem maiores problemas. Quanto mais tarde, mais sofrimento", diz.
Ângela ainda destaca a série de obstáculos que a mulher tem para interromper a gravidez. "Há um conflito entre interromper a gravidez e a idealização da maternidade. Há um sentimento de culpa também, de saber que culturalmente a interrupção da gestação não é aceita pela maioria. Muitas vezes elas pensam em se matar para resolver o problema", explica.
Segundo a psicóloga, nem fatores religiosos impedem as vítimas de interromper a gravidez indesejada. "O estresse e o pavor são tão grandes em manter essa gestação que mesmo as mais religiosas têm o desejo de interromper. Em oito anos trabalhando aqui, não tive nenhum caso de desejo pela manutenção da gravidez por uma mulher adulta."
Ângela aponta razões para a manutenção da gestação. "O que acontece, às vezes, é que o prazo legal permitido, de até 20 semanas para a interrupção, já foi ultrapassado. Ou, quando a vítima da violência foi uma adolescente, a mãe ou responsável legal não autoriza, contrariando, inclusive, o desejo da jovem", afirma.
Do ponto de vista legal, a não realização da denúncia por parte da vítima traz grandes dificuldades para o combate ao crime. "Muitas vezes, a mulher não revela quem foi o abusador e, nesses casos, a identificação fica inviabilizada. Quando envolve crianças, normalmente são pessoas da família e daí, muitas vezes, a própria família encoberta. O terceiro ponto é a dificuldade na produção da prova. Via de regra, quando a violência é intrafamiliar, o abusador pratica o ato sem deixar vestígios físicos", observa a procuradora de Justiça Maria Regina Fay de Azambuja.
Conforme ela, o sistema para receber a mulher que quer denunciar melhorou. "Há 20 anos não tínhamos espaços próprios para receber a criança, para receber a mulher. Hoje temos as delegacias especializadas. Ainda há muito a avançar, mas já está muito melhor do que foi."
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