sexta-feira, 5 de março de 2010

MULHERES-AMÉRICA LATINA: Chegaram as leis, falta a aplicação.

Humberto Márquez
Caracas, 5/3/2010 (IPS/TerraViva), (IPS) - A igualdade de oportunidades para as mulheres se abre com as novas constituições e leis de gênero na América Latina e Caribe, mesmo que sua aplicação real seja um distante objetivo.


Crédito: Blog Tot Iguals
Gêneros na balança legal


Essa brecha incide na vida cotidiana de milhões de latino-americanas e caribenhas, pois na região “a pobreza tem rosto de mulher”, como disse Laura Chincilla, após receber uma das maiores oportunidades dadas por seu país, a Costa Rica, e ser eleita primeira presidente em sua história.

Para reforçar a importância de promover leis e instituições a favor da igualdade entre gêneros, as Nações Unidas decidiram que o Dia Internacional da Mulher deste ano, comemorado no dia 8 deste mês, será dedicado à “Igualdade de Direitos, Igualdade de Oportunidades: Progresso para Todos”. Trata-se, entre outras coisas, de refletir sobre os suportes legais com que contam as mulheres para seu desenvolvimento.

A América Latina e o Caribe “foi a primeira região onde todos os países são parte da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Cedaw)”, recordou ao TerraViva a venezuelana Evangelina García Prince, ex-vice-presidente do Comitê das Nações Unidas para o acompanhamento desse instrumento, adotado em dezembro de 1979. Segundo Prince, no contexto regional “houve mudanças promissoras nos últimos 15 anos, embora sejam insuficientes para saldar a velha dívida que os Estados mantêm com a igualdade de mulheres e homens”.

A aplicação das novas leis é dificultada “pelo emaranhado econômico, social, cultural e político de nossas sociedades, pela escassez de recursos e fragilidade de muitas instituições que devem aplicá-los”, disse ao TerraViva Virginia Olivo, que dirige a coalizão Observatório Venezuelano dos Direitos Humanos das Mulheres. “Diariamente nos perguntamos sobre a aplicação das leis, que não chegam às mulheres. As instituições e o Estado não cumprem, mas há aliados, funcionários comprometidos”, disse Carmen Morales, diretora de Programas da não governamental Sociedade Mexicana Pró-Direitos da Mulher (Semillas).

Para Prince, “a principal ameaça à disponibilidade de mais e melhores leis, que tenham factibilidade administrativa, está em uma cultura jurídica e político-administrativa fortemente androcêntrica e claramente reativa a iniciativas que desafiem as relações tradicionais de poder entre os gêneros”. Justamente, o reforço da institucionalidade e das leis foi uma das 12 prioridades estabelecidas pela Plataforma de Ação da Quarta Conferência Mundial da Mulher, realizada em Pequim.

Na nova arquitetura legal latino-americana se destaca, a favor da igualdade, que quase todas as Constituições nacionais reconhecem os tratados, pacotes e convenções internacionais ou regionais que obrigam a adotar os princípios de igualdade e de não discriminação. Todos os países contam, também, com instituições dedicadas a promover a igualdade entre os gêneros. Também “cresceu o número de países que sancionam leis de igualdade, de igualdade de oportunidades e não discriminação, sobre a violência contra a mulher, e há interesse em criar leis estaduais ou municipais”, disse Prince.

Novas Constituições não só reconhecem esses princípios como destacam a igualdade de visibilidade dos gêneros da população, adotando os termos venezuelanos e venezuelanas, bolivianas e bolivianos, ministras e ministros, deputadas e deputados, promotor e promotora. Entre as mais recentes, a Constituição da República Dominicana consagra a igualdade diante da lei, proíbe qualquer ato que menospreze as condições de igualdade dos direitos de mulheres e homens e ordena promover “as medidas necessárias para garantir a erradicação das desigualdades e a discriminação de gênero”.

A nova Constituição do Equador, ao consagrar a igualdade e proibir a discriminação, ordena ao Estado a “formulação e execução de políticas para alcançar a igualdade entre mulheres e homens”, bem como incorporar o enfoque de gênero em planos e programas, com caráter obrigatório para o setor público. Na Bolívia, sua nova carta magna ordena ao governo a forma democrática, participativa, representativa e comunitária “com equivalência de condições entre homens e mulheres” e também proíbe e ordena a aplicação de sanções a toda discriminação fundada, entre outras, em razões de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.

Na Assembleia Geral Plurinacional boliviana, 46 cadeiras são ocupadas por mulheres (28%) e, ao reformar seu gabinete para o segundo mandato, o presidente Evo Morales designou, este ano, dez mulheres entre seus 20 ministros, em uma paridade de gênero com um único precedente regional, do governo de Michelle Bachelet no Chile. Esse poder deveria ser aplicado sobre o feminino rosto da pobreza na Bolívia, onde seis em cada dez mulheres são pobres, elas sozinhas chefiam 29% dos lares, sua presença no mercado de trabalho é de 40% e sua remuneração, para tarefas iguais, é de apenas 57% da masculina.

Brechas semelhantes cruzam o continente, pois, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), a pobreza na região é 1,15 vez mais alta entre mulheres do que entre os homens, e a diferença é marcante no Panamá (1,37), Costa Rica (1,30), República Dominicana (1,25), Chile (1,24) e Uruguai (1,21). De acordo com a Cepal, no Brasil e no México, as profissionais recebem metade dos salários que seus colegas homens, no Uruguai, Chile e Costa Rica a brecha varia entre 30% e 40%, e na região, com 200 milhões de pobres, há 85 milhões de mulheres que não dispõem de renda própria.

Entre 1990 e 2008, Costa Rica, Venezuela, Panamá, Honduras, Colômbia, México, Uruguai, Peru e Nicarágua promulgaram leis de igualdade de oportunidades para homens e mulheres, que identificam como discriminação a existência de leis, ausência delas ou situações factuais que menosprezem a situação feminina. Mas em sua parte resolutiva, as leis remetem a planos e programas a serem elaborados pelos diferentes órgãos estatais, embora sem mandatos claros sobre os suportes materiais para esses rosários de boas intenções.

É ali que surgem os obstáculos próprios da cultura política apontados por Prince, na forma de códigos penais, civis, trabalhistas, de comércio ou eleitorais “francamente obsoletos ou cheios de disposições discriminatórias. Poderia citar o caso do México, onde a legislação sobre o assunto é abundante, mas falha na aplicação das quatro leis sobre o tema, como demonstra a viva polêmica que esse país vive em matéria de direitos sexuais e reprodutivos com as legislações nos diferentes Estados da República”, ressalta Prince.

O México “é um país que investe, e onde os esforços do governo para ter uma política definida estão à vista, mas ainda são claramente insuficientes para cumprir as garantias de sua abundante legislação”, acrescentou. A lei mexicana sobre o acesso a uma vida livre de violência é seguida em 28 de seus 32 Estados, mas é insuficiente para erradicar o feminicídio. Em dezembro, o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos condenou o Estado mexicano por violar os direitos de três jovens assassinadas em 2001 em Ciudad Juarez.

Um informe do Instituto Interamericano de Direitos Humanos elogiou os avanços legislativos como “iniciativas estratégicas muito úteis para alcançar a igualdade e a vigência dos direitos das mulheres”, mas, apesar disso, “a igualdade real ainda é uma tarefa pendente em todas as nações”. E mais, “os governos dão uma importância relativa ao tema, como demonstra o pouco peso que têm os organismos da mulher responsáveis pela aplicação dessas leis e seu limitado orçamento”, e conclui que, “diante do menor descuido, é fácil essas conquistas sofrerem um retrocesso ou, no mínimo, uma paralisação”. IPS/Envolverde

* Com colaborações de Emilio Godoy (México) e Franz Chávez (La Paz).

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