Nações Unidas, 5/3/2010 (IPS/TerraViva) (IPS) - A proposta de criar uma única agência da Organização das Nações Unidas para as mulheres, concebida em 2006 por um painel de alto nível, permanece paralisada, e é motivo de piada na atual sessão da Comissão das Nações Unidas sobre o Status das Mulheres.
Nesta reunião, que começou no dia 1° e vai até dia 12, uma coalizão de ativistas ironiza sobre o assunto em um falso jornal eletrônico que faz circular entre os presentes. As manchetes fictícias dizem tudo: “Criada nova agência de direitos femininos da ONU (não é verdade)”, “Busca-se presidente para a nova agência da ONU para mulher (muito longe)”, “Nova superagência para a mulher atrai doadores (a duras penas)”, “Reformas muito aguardadas mas lentas (mais perto da verdade)”. O espaço editorial desta sátira diz que se trata de “um exemplo de notícias que os defensores dos direitos das mulheres em todo o mundo querem ler há anos”. Mas nunca foi feito, pelo menos até agora.
Criado pela campanha europeia Gender Equality Architetcture Reform (Gear – Reforma da Arquitetura da Equidade de Gênero), o jornal simboliza as frustrações das ativistas, furiosas com a lentidão com que a ONU aborda a criação da nova agência. “É vergonhoso termos de voltar uma e outra vez a explicar a necessidade da nova entidade, e porque tem que dela ser rapidamente”, disse à IPS Daniela Rosche, assessora de políticas sobre justiça de gênero na Oxfam Novib.
A decisão de criar uma nova agência de gênero é uma transformação bastante profunda, é muito necessária e sobre ela os governos chegaram a acordos várias vezes, disse Rosche. “A questão é por que sempre demora tanto para abordar os assuntos das mulheres e o poder de gênero? Onde está o sentido da urgência para este aspecto?”, perguntou, chamando para que haja dedicação à “enorme quantidade de trabalho” que há pela frente. Rosche também disse que, embora os governos tenham assinado o acordo no ano passado, esse ainda não está selado. “Estamos esperando decisões” que deveriam ter sido tomadas há muito tempo, afirmou.
A proposta de criar uma nova agência foi parte de uma série de reformas de longo alcance para “a coerência e a coordenação” no sistema da ONU em várias áreas, entre elas o desenvolvimento econômico, a ajuda humanitária, o poder de gênero e o meio ambiente. Porém, especula-se que tanto a ONU como seu secretário-geral, Ban Ki-moon, são reféns de alguns países que reclamam reformas exaustivas em todo o sistema.
A “nova arquitetura de gênero” inclui a integração das quatro entidades da ONU (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, Escritório do Assessor Especial sobre Assuntos de Gênero, Divisão para o Progresso das Mulheres e Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação das Nações Unidas para a Promoção da Mulher) em uma única nova agência dirigida por uma subsecretaria-geral, terceiro cargo mais alto dentro da ONU.
Colette Tamko, coordenadora do Programa de Gênero e Governabilidade na Organização das Mulheres para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, disse à IPS que poucos Estados, entre eles alguns do Grupo dos 77 (mais de 130 países em desenvolvimento) e o Movimento de Países Não-Alinhados, bem como Rússia e Japão, agora pedem mais esclarecimentos antes de avançar. Estas nações fazem numerosas perguntas em resposta a um recente informe do secretário-geral detalhando as características da entidade proposta.
“O desagradável é que algumas destas perguntas, abordadas em documentos prévios da secretaria da ONU e em muitos outros, só podem ser respondidos por Estados-membros, pela subsecretaria-geral e/ou pelo conselho executivo da agência, quando realmente for criada”, acrescentou. Tamko disse que “o motivo não oficial ou não dito da demora é que os países do G-77 estão usando a arquitetura de gênero como uma carta de negociação para fazer avançar sua agenda, ainda não revelada”.
“Eles querem que haja o mesmo grau de progresso em matéria de coerência em todas as áreas do sistema (incluindo financiamento e gerenciamento), quando sabem que o gênero é, de longe, o que está mais avançado”, pronto para “conseguir uma decisão concreta”, afirmou. Dirigindo-se aos delegados presentes na reunião, Ban disse, esta semana, que fez do poder feminino uma importante prioridade da ONU. “Esperamos ter em breve uma entidade dinâmica para a igualdade de gênero e o poder das mulheres dentro do sistema da ONU. Isso dará uma programação mais coerente e uma voz mais forte para as mulheres”, afirmou.
“Peço urgência à Assembleia Geral na criação desta nova agência, adotando uma resolução sem demora”, disse aos delegados. Mas essa resolução parece ser um sonho distante, a julgar pelo lento progresso obtido até agora. A ministra britânica para as Mulheres e a Igualdade, Harriet Harman, disse aos presentes na sessão da Comissão que “temos de rebater os falsos argumentos de que isto é uma imposição do Norte sobre o Sul. Não é. Isto é para as mulheres de todas as partes. Temos de garantir que esta nova agência da ONU para as mulheres não se atrase e atenda nosso desejo de avançar em todos os setores”, afirmou. A coerência do sistema em geral é importante, “mas as mulheres não nos perdoarão se deixarmos que o melhor seja inimigo do bom”, disse.
O ministro norueguês da Infância, Igualdade e Inclusão Social, Audun Lysbakken, disse aos delegados que a entidade de gênero deveria estar operacional antes da reunião mundial de alto nível sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, em setembro. “Desafio os que pisam no freio a explicarem o motivo”, ressaltou.
Tamko queixou-se de que os países que retardam a criação da nova agência também estão atrasando a designação de uma subsecretária-geral que a lidere, apesar da vontade de Ban de avançar nessa nomeação. O secretário-geral não precisa de autorização legal para fazer essa designação, mas os Estados-membros estão emitindo fortes sinais de que não deveria fazê-lo. “Isto é uma vergonha”, disse Tamko. A “desanimadora posição” do Comitê Conjunto Coordenador do G77 e do Movimento de Países Não-Alinhados é muito preocupante, disse Tamko, como também é a do Iêmen, Egito, Cuba (todos membros de um ou outro bloco) e também de Japão e Rússia.
A “boa notícia é que nem todos os países do G-77 compartilham a posição dos de linha dura dentro desse grupo, mas é lamentável que muitos países do G-77 que apoiam a nova agência não se manifestem, deixando que Estados como Egito e Iêmen, que têm uma agenda diferente, representem os pontos de vista do Comitê”, afirmou Tamko. “As mulheres de todo o mundo estão cansadas deste processo. É muito longo e reclamamos que os países-membros ajam agora nesta reforma”, que já deveria estar pronta há muito tempo, disse. IPS/Envolverde
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