sexta-feira, 29 de outubro de 2010

E seu um Terço?

E o seu um Terço?
Li este artigo e achei muito bom, estou tanscrevendo na íntegra.




"A violência doméstica em todas suas faces foi o tema mais abordado. Já atendi vítimas de violência doméstica, mas confesso que nunca soube muito bem por onde começar nestes atendimentos. Talvez por identificar uma limitação de recursos institucionais para encaminhamentos, ou pela dificuldade de manter-me neutra diante das partes ou até mesmo por não ter a dimensão da conjuntura que desenha uma agressão.

Cheguei à conclusão que todos são vítimas de violência. Independente da discussão sobre genêro e das diferenças sociais existentes entre homens e mulheres, muito além ainda de nossas diferenças biológicas, o fato é que somos criados em uma sociedade que constrói a violência dia e noite.

A começar pelos padrões de civilidade adotados por nós, cheios de machismo, de conservadorismo e senso comum. Meninos brincam com carrinho, meninas ganham panelas e ferro de passar. Meninos jogam bola, meninas ganham bonecas e brincam de casinha.

Como quebrar estereótipos tão intrínsecos, alimentados em nós desde criança? Confesso que ao lembrar da minha infância o que mais me veio à mente foram as bonecas Barbie, felizmente ainda me lembrei de corridas em carrinho de rolimã, de pipas coloridas e de subidas em árvores no sítio, tudo graças a meu pai que por talvez sempre ter sonhado com um filho homem, acabou depositando sua expectativa nas duas mulecas que Deus lhe deu.

Mas nem sempre é assim. Já vi meninos apanharem por experimentar o sapato da mãe ou pegar a boneca da irmã no colo. Da mesma forma que já vi uma garota ser recriminada por não sentar de pernas cruzadas ou por não gostar de maquiagem.

Longe de julgar a criação de cada um, a grosso modo estou querendo apontar que somos nós, em nossos padrões, em nossa sociedade machista e feminista ao extremo que criamos mulheres submissas ou solitárias e homens frustados ou agressivos.

Parece que fazemos questão de não esquecer a função social decretada a homens e mulheres na antiguidade, onde ao homem cabia a função de caçador, reprodutor e mantenedor da família e a mulher cabia apenas a gestação e cuidado dos filhos.

Este conceito é algo ainda tão arraigado que muitas vezes fica difícil acreditar. Ouvi um relato esta semana que demonstra o quanto isso ainda é presente culturalmente na vida de homens e mulheres:

Conta-se que uma jovem, em período de amamentação do quarto filho, foi orientada por uma agente de saúde a realizar o planejamento familiar, sendo instruída sobre o uso do contraceptivo oral. Residia em uma região muito vulnerável, não trabalhava devido a impedimento do marido que era extremamente machista e agressivo. Alguns meses depois, ela volta à unidade de saúde na companhia do esposo, muito bravo, que aos gritos diz a enfermeira:

— Você nos enganou!

— O que aconteceu senhor?

— Você disse para minha mulher que se tomasse todos esses comprimidos aqui, um por dia, não iamos mais ter filhos, e ela está grávida novamente.

— Mas a senhora tomou sem falhar a pílula, todos os dias? – dirigiu-se a enfermeira para a jovem.

— Eu tomei tudinho! – respondeu aos berros o esposo, impedindo que a mulher abrisse a boca.

Pois bem, mesmo depois de 50 anos da Revolução da Pílula, que provocou mudanças de hábitos sexuais significativos nos casais do ocidente e principalmente possibilitou a mulher ter o direito de escolher pela reprodução, cabendo a partir de então, a ela, decidir se teria um ou dez filhos, parece que algumas coisas não mudam.

O homem do relato anterior, com toda sua vaidade e orgulho, jamais poderia admitir que coubesse a mulher a escolha de ter mais filhos e se era para impedir a reprodução ele que o faria, optando então por tomar as pílulas no lugar da mulher.

Ignorância, machismo, prepotência, submissão? Tudo isso e um pouco mais, diria apenas que foi uma violência.

Violência dele contra ela, por humilhá-la, substimá-la e impedi-la de tomar decisões apenas pelo fato de ser mulher. Uma violência da sociedade contra ele que foi criado em uma família machista, onde o pai agredia verbalmente e fisicamente a mãe e foi assim que ele reproduziu suas atitudes com sua família. Uma violência dela contra ela mesma, mesmo que inconsciente, em uma luta diária na busca pelo rompimento de um ciclo de violência que parece não ter fim.

E finalmente uma violência de todos nós contra eles, por atribuir à ignorância, à falta de oportunidades ou ao fator econômico a consequência disso. Por culpabilizar esta mulher e dizer por entre ombros: Está assim porque quer, porque gosta de apanhar. Por fecharmos nossos olhos e ouvidos e não movermos uma agulha ao presenciarmos ou suspeitarmos de um ato de violência.

Provavelmente alguém dirá: que baboseira, o que eu tenho com isso? E então lhe pergunto: se você não provocou esta situação então o que tem feito para amenizá-la, para suprimi-la? E o seu um terço? Parte da responsabilidade é do indivíduo, parte do Estado e parte da sociedade, certo? E então, qual seu um terço?

Não precisa me responder, aliás, não pretendo com este texto criticar ou julgar atos de terceiros, muito menos instigar a paz no mundo (por mais que seja este meu desejo). Tenho apenas procurado fazer minha parte e esta capacitação foi para mim tão importante que me senti na obrigação de deixar meu um terço aqui. Minha singela contribuição para uma discussão que nos provoca indignação e aquela vergonha moral que por vezes sentimos e deixamos passar...que desta vez ela não passe, persista e multiplique-se.

Se você já foi vítima de violência, denúncie. Se você é um agressor, procure ajuda. Se você presencia ou suspeita de atos de violência ofereça seu um terço.

Provocar a mudança é preciso, para começar basta um, para vencer precisamos de mais de um milhão!

Uma semana repleta de reflexões e de sementinhas de indignação a todos nós, é o que desejo!"



Taline Libânio

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