Quando a ameaça vem de dentro
Antônio Mesquita Galvão
Doutor em Teologia Moral
Adital
As pessoas têm medo – e com razão – de muitas coisas. São as ameaças físicas, assaltos, seqüestros, doenças, acidentes, balas perdidas, desemprego, injustiça, etc. Outros temem os perigos metafísicos, como inferno, maus espíritos, feitiços, encostos e coisas do gênero. A vida moderna, por suas características de velocidade e pluralismo vem colocando o ser humano constantemente em xeque, causando angústias, depressões e todo tipo de ansiedade, provocando sensações de frustração e náusea, causadoras, não-raro, de atitudes extremas, capazes de levar ao suicídio.
Os grandes pensadores, intelectuais e religiosos sempre aconselharam as pessoas a buscarem dentro de si a solução, as pistas do autodomínio, bem como o conhecimento de si próprio. Sócrates († 399), o fundador da filosofia moral afirmou "gnôti s´eauton” (Conhece-te a ti mesmo), como um caminho para o homem, antes de conhecer as ciências e o mundo, conhecer-se a si próprio. Santo Agostinho, sobre esse dualismo do coração humano, adverte que "dentro de nós habita um santo e um bandido”. Quando um discípulo escutou o mestre dizer que dentro dele havia dois cães ferozes em luta, o bem e o mal, perguntou: "Mestre, e quem vai vencer?”. O sábio disse: "Aquele a quem eu alimentar”. Deste modo é urgente que se consiga distinguir as ameaças que brotam a partir de nosso interior.
Contam que um ermitão reclamava que tinha muito a fazer. Perguntaram-lhe como era possível, naquela solidão, ter tanto trabalho. Ele informou que tinha que domar dois falcões, treinar duas águias, manter quietos dois coelhos, vigiar uma serpente, carregar um burro e sujeitar um leão. O interlocutor ficou curioso, pois não havia nenhum daqueles animais naquela região. O religioso afirmou que aqueles animais estão dentro de cada um de nós.
Os dois falcões se lançam sobre tudo o que aparece, seja bom ou mau. Tenho que domá-los para que só se fixem sobre uma boa presa. São meus olhos. As duas águias ferem e destroçam com suas garras. Tenho que treiná-las para que sejam úteis e ajudem sem ferir. São minhas mãos. Os dois coelhos querem ir onde lhes agrada, fugindo dos demais e esquivando-se das dificuldades. Tenho que ensiná-los a ficarem quietos mesmo que seja penoso, problemático ou desagradável. São meus pés. A serpente é o animal mais difícil de vigiar, apesar de estar presa em uma jaula de trinta e duas barras. Está sempre pronta para morder e envenenar os que a rodeiam, se abrimos a jaula. Se não a vigio de perto, causa danos. É minha língua. O burro é muito teimoso e obstinado. Não quer cumprir com suas obrigações. Alega estar sempre cansado e se recusa a transportar a carga de cada dia. É meu corpo.
O leão é preciso ser domado a cada dia. Quer ser o rei, o mais importante. É vaidoso e orgulhoso. É meu coração. O eremita concluiu dizendo: "Portanto, há muito que fazer”.
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