segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Mulheres vítimas da violência doméstica: entre a igreja e a delegacia

O que dizer a uma mulher evangélica que apanha do marido? Que ela deve esperar no Senhor para que o homem seja liberto deste espírito ruim que o torna violento? Que tem de se sujeitar, porque o que Deus une o homem não separa? Que precisa se calar porque é submissa ao esposo? Não raro, muitas mulheres ouviram e ainda ouvem tais conselhos dentro de suas igrejas e, não por acaso, os líderes evangélicos são frequentemente apontados por associações de apoio às mulheres vítimas de violência como omissos e coniventes. Pior ainda, quando o agressor está dentro da igreja, sob a fachada de um homem de Deus, e nada é dito ou feito.

O tema violência contra a mulher não sai da mídia, afinal, além das sequelas físicas e psicológicas, muitas estão perdendo a vida na mão dos agressores. A Organização Mundial da Saúde (OMS) trata do assunto como um problema de saúde pública. Estudos apontam índices entre 20% a 75% desse tipo de agressão em diferentes sociedades. O tema entra em debate no mês de novembro, em ocasião ao Dia Internacional da Não-Violência contra as Mulheres, celebrado no dia 25.

Toda essa exposição e mobilização do poder público no combate a esta covardia têm aberto os olhos das lideranças evangélicas para a gravidade do problema, e mostram que as igrejas não devem tratar casos de agressões contra as mulheres como simples crises no casamento. Em vez de oração, apenas, a ordem é denunciar. “Não basta ensinar uma mulher a orar pela conversão do marido que a espanca. Espancamento é caso de polícia e não de oração. Os líderes devem ser mais ativos, se intrometer, no bom sentido, na vida do casal que tem problemas. Dar conselhos, orar e não fazer nada não resolve”, considera o pastor Silmar Coelho, de formação metodista, especialista nas áreas de família e formação de líderes. Como pregador do Evangelho da Salvação, ele lembra que qualquer pessoa pode ser recuperada: “Tudo está errado enquanto Deus não consertar”.

Esperançosas por essa transformação, muitas mulheres evangélicas se sujeitam à violência, e buscam apoio e respaldo nas igrejas, o que aumenta a responsabilidade dos líderes frente ao problema. O pastor Jaime Kemp, doutor em Ministério Familiar, diz que é preciso avaliar o outro lado da história, o do homem: “No aconselhamento, recebemos mulheres vítimas de violência, que chegam muitas vezes machucadas. Nós apoiamos a denúncia, mas precisamos conversar com o marido. Às vezes, a mulher tem a sua parcela de culpa nos casos de violência, porque provoca o marido. Ela precisa sim denunciar, mas primeiro deve buscar aconselhamento”, avalia.

Entre ir à igreja em busca de uma orientação ou à delegacia, para registrar o crime, a delegada evangélica Márcia Noeli Barreto, diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher no Estado do Rio de Janeiro e membro da Igreja Batista de Itacuruçá, aponta a lei como a melhor alternativa. “Penso que o papel dos pastores é de orientação nos relacionamentos. Isso não quer dizer que a orientação seja dizer à irmã em Cristo que ela deve orar e que tudo vai passar ou que se ela está sofrendo a violência é porque Deus permitiu. Creio que Ele não está em um lar com violência. Portanto, devemos sempre orar, mas tomar uma atitude de buscar ajuda, indo à Delegacia de Polícia e registrando o fato como crime”, considera, levando em conta a Lei Maria da Penha (veja quadro nas páginas 24 e 25).

A Bíblia não trata especificamente do assunto, mas dá margem para interpretações equivocadas quando diz que a mulher deve ser submissa ao marido (Efésios 5:22). No entanto, no mesmo capítulo, dá a contrapartida aos esposos: “Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela” (Efésios 5:25). Em outro trecho bíblico, em 1 Pedro 3:7, diz: “Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar, com discernimento; e, tendo consideração para com a vossa mulher como parte mais frágil, tratai-a com dignidade”.

Tanto a lei de Deus quanto a lei dos homens estão a favor da mulher. Em um artigo intitulado “Até que a violência os separe”, o pastor e delegado de polícia Aristóteles Sakai de Freitas, que atua em Goiânia, Goiás, endossa esta ideia: “A lei Maria da Penha não veio para separar os casais, antes seu propósito é dar à mulher agredida o direito a uma vida a dois cercada de respeito, carinho, cuidado, fidelidade e amor. Nisto a lei reforça um desejo que surgiu no Éden, de que ambos fossem uma só carne. Homens e mulheres, principalmente os evangélicos devem posicionar-se contra a invasão da violência nos lares”, finaliza.



Não há consenso se a violência justifica o divórcio

A questão da violência contra a mulher esbarra em outro tema delicado nas igrejas: o divórcio. Na prática, muitos líderes evangélicos têm receio de incentivar a denúncia e a separação porque isso abre um precedente para que a mulher se separe e busque um novo casamento, que, de acordo com alguns estudiosos, a Bíblia não consente: “Só há respaldo bíblico para o divórcio em duas situações: infidelidade e abandono. Qualquer outra razão não tem. O que muitas vezes aconselhamos é que a mulher saia de casa por um tempo, volte para casa dos pais. Ela não pode ficar debaixo do mesmo teto de um homem violento. Nesses casos, sugiro que ela monte um grupo de oração com mulheres, para pedir a Deus que mude o coração do seu marido. Ele tem poder para fazer isso”, diz o pastor Jaime Kemp, doutor em Ministério Familiar.



Mesmo sem querer entrar em polêmicas teológicas, a psicóloga evangélica Esly Carvalho, autora do livro “Família em Crise – Enfrentando problemas no lar cristão”, reflete: “Não acredito que Deus tenha nos chamado a viver em violência, com risco de vida, simplesmente para evitarmos um divórcio. Afinal, o divórcio não é o pecado sem perdão”. Para ela, que é especialista em saúde emocional e costuma tratar os mais diversos tipos de abusos no ambiente familiar, a igreja, além do apoio espiritual, deve proporcionar ajuda emocional e meios da mulher conseguir emprego, trabalho, formas de subsistência que lhe permitam uma proteção maior. “Se os corações não forem curados, essas pessoas voltam às suas situações de violência”, acredita.

Já o pastor e teólogo Ariovaldo Ramos, vice-presidente do Instituto Mulher Viva, que atua na conscientização e prevenção da violência contra a mulher, é um grande incentivador da liberdade e da libertação. “Não pode haver nenhuma lei que seja maior do que a mensagem da Cruz, de que todos somos remidos pelo sangue do Cristo e vivemos pela Graça. Não é a Lei Maria da Penha que deve despertar a necessidade de apoiar a mulher vítima de violência, e sim a mensagem da Cruz pregada por homens e mulheres submissos à vontade de Deus e assim inconformados com qualquer injustiça, seja com qualquer pessoa”, conclui.



Instituto conscientiza igrejas no combate à violência

O Instituto Mulher Viva atua há mais de três anos com a conscientização e prevenção da violência por meio de palestras, fóruns e oficinas. Presidido por Naiá Rocha, de Praia Grande, São Paulo, membro da Comunidade Cristã Renovada, a entidade trabalha principalmente em parceria com igrejas.

Do litoral paulista, a entidade já alcançou a Primeira Igreja Batista em João Pessoa, na Paraíba. “O pastor Estevam Fernandes entendeu a necessidade de trabalhar essa questão de violência e implantamos o Ministério Mulher Viva em março de 2011”, conta.

Também foi implantado um polo de atendimento em Campo Grande, no Estado do Rio de Janeiro, em setembro, em parceria com o Seminário Teológico Betel Brasileiro. “Agora estamos em vias de implantação do Ministério Mulher Viva no Rio Grande do Norte, junto à Missão Evangélica Pentecostal do Brasil”, adianta a fundadora, que tem como propósito levar o Mulher Viva para todo o Brasil. Por meio de profissionais voluntários, a entidade oferece atendimento jurídico e psicológico e busca na Palavra de Deus a motivação de sua luta. “Não existe na Bíblia Sagrada qualquer apoio à violência contra as mulheres. Pelo contrário, o texto Lucas 4:18;19 aponta a liberdade, não a escravidão. Que todos tenhamos vida e vida abundante, que foi o objetivo da morte e ressurreição de Cristo”, conclui Naiá.



Mobilização em Campinas pede Delegacia da Mulher 24 horas

A vereadora de Campinas, Leonice da Paz, organiza uma ação na cidade de Campinas (SP) pela implantação de mais Delegacias da Mulher em Campinas, em diferentes regiões, e pelo funcionamento no período de 24 horas. Ela, que é evangélica, faz um apelo para que as mulheres da cidade e de todo o Estado de São Paulo participem do movimento. “O objetivo é colher 10 mil assinaturas de apoio à moção, que será entregue ao governador do Estado, Geraldo Alckmin”, explica a vereadora.

Leonice também é presidente da Comissão Permanente da Mulher no Legislativo e presidente nacional da Fenasp-Mulher (Frente Cristã Nacional de Ação Social e Política), que desenvolve ações pela vida e contra violência de qualquer natureza.

“Você que é avó, mãe, esposa, tia, irmã, filha, enfim, mulher, quero lembrá-la que o Deus de tantas Mulheres da Bíblia Sagrada, a exemplo de Ester, Débora, Sara, Rute, Agar, Ana, é o mesmo de hoje e sempre. Ele fará por você aquilo que ninguém mais poderá fazer. Ele espera de nós atitude e oração. Orar+ação=oração”, conclui.



Conselhos de uma delegada cristã

A questão da violência doméstica é certamente anterior à agressão física sofrida pela vítima. Começa, na maioria das vezes, no namoro, com o autor isolando a vítima da convivência com as amigas e com os parentes, dizendo que gostaria que ela ficasse em casa porque tem ciúmes. A vítima acredita que ciúmes é sinônimo de amor.

Essa violência tende a crescer, vêm os xingamentos, considerados crime de injúria, ameaças e, em seguida, as agressões físicas. Se essa violência não for interrompida, o resultado final pode ser a morte da vítima, o homicídio. Portanto, a atitude da mulher vítima de violência doméstica é ir à Delegacia de Polícia e registrar qualquer violência sofrida, para que o autor seja chamado e responsabilizado pela violência. A mulher deve entender que merece respeito.

Nós, mulheres cristãs, contudo, oramos a Deus para que ele mande um marido. E fazemos as nossas escolhas que, muitas vezes, não são a escolha de Deus. Quando esse casamento dá errado, pensamos que apenas estamos passando um momento difícil, mas que Deus vai ajudar, e Ele ajuda mesmo. No entanto, nenhum momento difícil tem a ver com a violência.

O perfil do agressor não é criado no momento do casamento, ele já era assim. Só que muitas mulheres não percebem. Geralmente, esse homem vem de uma cultura tão machista que ele acha que deve falar e a mulher apenas obedecer, ou então assistiu essa violência dentro de casa e a reproduz em seu lar. Não consegue dialogar. Muitas vezes, é alcoólatra ou dependente químico.

Portanto, se a mulher acha que Deus vai transformar o seu marido, talvez assim aconteça, porém, essa mulher não deve continuar convivendo com ele até que realmente haja a transformação verdadeira, que reconhecemos só pelos frutos, como paz e mansidão.



Márcia Noeli Barreto é delegada de Polícia, diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher, que tem como finalidade chefiar as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. É evangélica, membro da Igreja Batista de Itacuruçá, fundadora e diretora da organização Atos e Atitudes e autora do livro “Mulheres corajosas”

Um comentário:

  1. parabéns pelo instituto e suas colaboradoras. É muito importante termos evangélicas engajadas nessas causas, e esta então, que ninguém quer comentar e sobre a qual creio que 90% dos pastores sao contra o divórcio, e em especial de um novo casamento. E me coloco a disposição de vcs para colaborar também. abraços

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